domingo, 13 de janeiro de 2013

“O Canto da Sereia” se sobressai ao não tratar o espectador como idiota

Os elogios a “O Canto da Sereia” são mais do que merecidos, mas tenho a impressão de que, para além das suas qualidades, a série agradou muito também porque oferece um contraste gritante com a média da programação da TV aberta.
O bom resultado do programa sinaliza que vale a pena dedicar tempo, esforço e recursos para fugir do lugar-comum e do óbvio. Várias opções e escolhas da equipe envolvida no projeto, sob direção José Luiz Villamarim, mostram respeito ao espectador — tratado como um adulto, como alguém capaz de pensar, não como um idiota.
Em quatro capítulos, a série desenvolveu uma história policial atraente, ambientada numa Salvador contemporânea, com personagens de ficção levemente calcados em figuras conhecidas do mundo real.
Chamou a atenção, por exemplo, a forma como a cidade foi apresentada, bem diferente da imagem folclórica ou turística, popularizada pela televisão.
Realista, mas não óbvia, a construção dos personagens deixou espaço para quem assistia refletir sobre eventuais paralelos existentes entre Sereia (Isis Valverde) e conhecidas cantoras de axé, ou entre o marqueteiro Tuta Tavares (Marcelo Medici) e alguns famosos publicitários baianos ou, ainda, entre o Doutor Jotabê (Marcos Caruso), governador do Estado, e notórios políticos locais.
Cartão de visitas da série, o primeiro capítulo foi, de longe, o mais impactante do ponto de vista visual. Com a câmera no ombro, Walter Carvalho conseguiu levar o espectador a vivenciar uma tumultuada tarde de carnaval nas ruas de Salvador.
Sem medo de confundir o público, o roteiro de George Moura e Patricia Andrade apresentou a história de forma não linear, em tempos diferentes, distribuindo indícios e pistas falsas sobre variados personagens que poderiam, de algum modo, ter cometido o crime contra a protagonista Sereia.
Também achei corajosa a opção por Isis Valverde, uma boa atriz, mas sem especial potência vocal, para viver a cantora de axé. Camila Morgado, no papel da empresária, babá e namorada da cantora, saiu-se muito bem. E João Miguel como Só Love, o fã dedicado, foi o maior achado.
Marcos Palmeira foi muito convincente como o segurança/detetive Augustão, mas a lembrança de Mandrake, o personagem que viveu na série policial da HBO, recomendaria não escalá-lo para um papel tão semelhante.
Não vi exageros ou apelação nas cenas de sexo exibidas – todas dentro do contexto da história e do horário exibido. Só soou estranho o tratamento diferenciado dado ao namoro de Sereia e Mara e aos demais encontros amorosos exibidos.
O público não teve o direito de ver um beijo que fosse entre as duas personagens principais, apresentadas como namoradas, mas assistiu a cenas tórridas delas separadamente, beijando e transando com homens.
Outro problema da série diz respeito à falta de densidade da história em si. Baseada no romance de Nelson Motta, os personagens da trama aparecem de forma muito leve, quase rasa, praticamente sem passado. Villamarim já disse que as séries americanas têm dado exemplo de ousadia e qualidade. Ele deve saber que mesmo as histórias policiais não descuidam desta questão.
UOL

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